Apresentação

Ao longo da história da humanidade, os jogos tiveram importante papel no aprendizado de tarefas, desenvolvimento de habilidades sociais, manifestações religiosas e rituais espirituais, estreitamento dos laços coletivos e até mesmo para sobrevivência e estratégias de guerra. Além disso, possuíam forte influência nos contos e lendas que alimentavam o imaginário das civilizações. Assim, os jogos representam a própria existência humana, suas culturas e seus ritos de passagem desde a antiguidade.

Quem teve a oportunidade de visitar a exposição Playmode, no CCBB de Belo Horizonte, vinda de Lisboa e que contou com artistas de várias partes do mundo, pôde, além de conhecer várias atividades interativas e reinterpretações de jogos, também refletir sobre a relevância histórica dos jogos para a humanidade, a exemplo de como eles chegaram a salvar povos inteiros que, para não sucumbirem à fome, jogavam por horas e horas. Ainda, nota-se como a exposição Playmode corrobora com apontamentos que serão feitos aqui e com as abordagens de nossa exposição Jogos Matemáticos Ancestrais, ao evidenciar como os jogos são uma invenção ligada a uma necessidade vital, coletiva e ancestral de se permanecer em vida e resistir à imobilidade e à extinção. 

Como aponta ALVES, em “A história dos jogos e a constituição da cultura lúdica”, os jogos, cultos e rituais tradicionais possuem características em comum: ordem, tensão, mudança, movimento, solenidade e entusiasmo, o que demonstra como a trajetória dos jogos, assim como a história de forma geral, é uma construção humana que envolve fatores socioeconômico-culturais.

ALVES também reflete como certos jogos e brinquedos são encontrados em diferentes culturas e momentos históricos. Logo, não permanecem exatamente os mesmos quando transpostos para outros cenários histórico-culturais. Na exposição Jogos Matemáticos Ancestrais é possível perceber essa questão em diversos jogos, que possuem origens inexatas, visto que são conhecidos registros e vestígios similares em várias regiões pelo mundo. Os jogos salvaguardam hábitos importantes das civilizações antigas com o passar das gerações, portanto, conhecê-los e praticá-los é contribuir para a preservação e manutenção de costumes ancestrais, bem como para sua transformação, conforme os percursos da humanidade.

Entendendo a ancestralidade como a perpetuação de uma cultura, se faz possível compreender a expressividade dos jogos para tal. Segundo CARMO E CORDEIRO, em “Marcas de Dendê: Caminhos Ancestrais por Meio das Brincadeiras”, quando as crianças brincam, reelaboram culturas e vivências, portanto, perceber a ancestralidade contida nesse processo é resgatar saberes e fazeres ancestrais que nos mostram como nada é natural, pois tudo possui um processo histórico. 

Logo, nota-se como jogos desta exposição, especialmente os da maior coleção, “África”, também exprimem uma outra perspectiva da educação e do lúdico, comprometida com o legado de povos que foram historicamente excluídos por um sistema racista opressor. 

A partir disso, aplicam-se ainda reflexões sobre a relação da Matemática com a sanção da lei 10.639, de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática da “História e Cultura Afro-Brasileira”. Com essa lei, surgiram-se debates a respeito da utilização de meios pedagógicos que pudessem fazer a aproximação dos estudos sobre o continente africano, entretanto, o que muito ocorreu foi a limitação dessa percepção para apenas disciplinas que abordam humanidades com mais frequência, como História e Geografia, negligenciando-se as potencialidades que disciplinas como a Matemática têm para contribuir. 

Como abordam CHAGAS e ZANLORENZI, em “O Estudo da Cultura Africana no Ensino da Matemática Através da Utilização de Jogos Africanos de Tabuleiro”, são infinitas as aplicabilidades da história e cultura africana e afro-brasileira em conteúdos matemáticos, inclusive, por meio de brincadeiras e jogos. Portanto, a inserção dos jogos no processo de aprendizagem escolar é altamente significativa, por promover o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo através de um aprendizado prazeroso, por estar aprendendo brincando. Assim como na disciplina de Matemática, os jogos também possuem problemas a serem solucionados, logo, ao aliar esses dois universos, trabalha-se o pensar matemático, o raciocínio-lógico, o senso de coletividade, a criatividade, o desafio da resolução de problemas e a autonomia dos educandos.

O acervo selecionado para esta exposição pertence ao Museu da Matemática UFMG, um espaço que faz parte da Rede de Museus da UFMG e objetiva promover o conhecimento matemático de forma lúdica e prazerosa. A curadoria realizada para a exposição visou identificar os jogos matemáticos presentes no museu que possuem origens ancestrais e, justifica-se sua elaboração por tudo refletido até aqui a respeito da relevância do tema e pelo propósito de que este seja mais um espaço de produção e democratização da informação, não somente do conhecimento matemático, como também ancestral, histórico, recreativo e cultural.

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